Outro dia uma recém mãezinha me perguntou, em sessão terapêutica, como ela poderia expressar seu amor pelo bebê que acabara de nascer, e, cuidar dele sem se sentir tão perdida.
Nessa fala, senti o imenso desejo de minha paciente em acertar e ao mesmo tempo de se permitir errar.
Mas como conseguir ser uma boa mãe e ao mesmo tempo entender que algumas coisas podem dar errado, e o que der errado pode servir de constructo para desenvolver experiências positivas, afinal é errando que aprendemos a não incidir nos erros. É aprendendo com a experiência! Pensei muito durante a sessão e analisei que naquele momento eu precisava ser assertiva e ao mesmo tempo acolhedora.
Afinal, minha cliente estava embebida no mais íntimo do “baby blues”. Senti que meus neurônios estavam em atenção seletiva e o meu grande guru apareceu e me deu uma mãozinha – meu velho e bom Dr. Winnicott. Não vou desenvolver aqui, os meandros da sessão – o que foi dito e o que foi assegurado, mas sim o que de reflexivo foi abstraído de nosso encontro. Disse a ela que normalmente, e, em situações biopsicosocio e espiritualmente normais (comprido, não?) as mães costumam cuidar muito bem de seus bebês.
As mães se dedicam a essa tarefa com simplicidade e o fazem como se isso fosse comum e esperado – passado e repassado de gerações a gerações. É o que nosso Guru costumava chamar de “A mãe dedicada comum”. Por favor, caros leitores, não estou afirmando que todas as mães são iguais ou que não existam exceções. Acato e reconheço que as particularidades existem.
Quando pontuei isso com minha cliente, é como se no fundo eu estivesse querendo, remover de seus ombros, o peso da perfeição. Perfeição ou obsessão costumeira dos “normóticos”. Desejei apenas enfatizar que sua preocupação em acertar já era um passo a proximidade de seu filhinho e que os nove meses que seu bebê passou em seu ventre serviram, além de favorecer a maturidade biológica da criança, para que ambos começassem a se interessar um pelo outro, aguçar a curiosidade de ambos em se conhecerem.
Particularmente, a mulher aceitar que daqui para frente a vida vai mudar. Mudar, por que o que era dois agora são três e por que não dizer quatro. O quarto é a relação que permeia a vida da nova família. Complicado não? Não é a toa que a gestação dura nove meses. Acredito que é um bom tempo para o casal começar a se habituar com a prévia da vida em família.
Esse tempo de quase duzentos e setenta dias é um período, digamos, que suficiente para que transformações ocorram, sejam elas com a própria futura mãe, como também com a família. As avós vão se preparar para o novo título, as irmãs solteiras vão tratar de procurar um parceiro para não ficar para titia e o maridão, rato de academia, vai lentamente percebendo que seu ar sedutor, agora, vai ser deslocado para seduzir de amores seu primogênito. As leis universais mostram que assim como os pais não escolhem seus filhos, os filhos também não escolhem seus pais.
E no curso natural das coisas, os bebês quando chegam, acabam por oferecer a suas mães o tempo necessário para que elas se orientem e descubram que em poucos meses elas estarão tirando de letra as intempéries e as dificuldades vividas nos primeiros dias pós-nascimento do novo serzinho e logo, logo, a mãe encontrará o seu Norte.
Para que tudo isso aconteça, é preciso que de início, a mãe se funda ao bebê. É como se em dois só houvesse espaço para um. Portanto, nesse comecinho, a mãe é o bebê e o bebê é a mãe e ninguém se dá conta de todo esse processo amoroso. Que bom, se não seria uma loucura em forma de dupla. Será que não? Winnicott, afirmava que esse processo nada mais era que uma loucura saudável. “Bota” saudável nisso. Seres humanos são mesmo resilientes, conseguem enxergar sanidade num campo de loucura e ainda dizer que isso é importante para a saúde mental do bebê e de quebra para a mãe.
Percebi que minha cliente, por momentos fazia uma expressão de confusão, como se dissesse – como isso é possível? Minha terapeuta está mais pirada do que eu. No fundo acho que quem precisa de ajuda é ela. Agradeço a todos meus professores de formação. Nada como uma boa leitura não verbal.
De prontidão aplaquei a angústia de minha cliente e trouxe de meus gurus psicanalistas a ideia de que as mães de hoje já foram um bebê, e isso permite a elas trazer a lembrança de um dia tê-lo sido. Estas lembranças tanto podem ajudá-la quanto atrapalhá-la em sua experiência como mãe.
Depende muito de suas vivências com suas próprias mães. Conhecendo minha paciente, percebi que sua mãe interna era muito positiva e sensível e não tive dúvidas em reassegurar suas características positivas em relação a maternidade. Sei que conjecturar se alguém pode ou não ser uma mãe boa ou simplesmente dedicada ao seu bebê (se é que isso é simples) é empírico, e, que o dia a dia é que vai delineando a relação amorosa.
O mais importante nessa sessão foi entender junto com a paciente, que a própria preocupação dela em ser boa mãe, já mostrava seu interesse em tornar seu bebê real e que como uma pessoa real, ele necessita em primeiro lugar de se sentir vivo. Em estar vivo inclui-se: sentir-se amado, sentir-se cuidado (aplacado em sua fome, acolhido em um ninho protegido e quentinho, alimentado com um bom leite morninho, mantido limpinho) e protegido do que ele ainda não pode lidar e entender.
É esperado que com o tempo, o bebê não careça mais de tanta proteção. Ele vai precisar e no futuro agradecerá, que sua mãe falhe um pouco nesse processo de convivência, e diga-se de passagem, que esta modulação da proteção será lenta e gradual. É uma forma que a mãe desenvolve (como eu disse aos pouquinhos) de remover a onipotência do bebê e permitir a ele que conviva com as frustrações e as dificuldades de seu meio ambiente.
É deixar, as vezes, o bebê sentir um pouco de raiva e saber que isso não se transformará em desespero.
É a manutenção e alimentação do elo de confiança estabelecido entre a mãe e seu bebê, que com o tempo se reverbera para o pai, família, escola e a comunidade. O que posso dizer do desenvolvimento dessa sessão? Que foi enriquecedora, tanto para a cliente como para a terapeuta. Foi uma volta e chegada as histórias que se entrelaçaram e ressoaram em cada uma de nós. Acho que tudo isso, e algumas coisas mais, que na sessão não mencionei, é expressar amor ao bebê.