Quem disse que amamentar é difícil?
Amamentar é só colocar o peito para fora e encaixar o bebê. Simples assim!
Simples assim?!
Com a amamentação começam os acertos, os encontros e desencontros, os mitos e os tabus. Peito grande, peito pequeno – bico pra dentro, bico pra fora – leite forte, leite fraco – canjica ou cerveja preta – canja de galinha por meses ou uma refeição balanceada – cólica do bebê, comida temperada ou só com uma pitada de sal? Meu Deus! Isso tudo não pode estar acontecendo em um tempo só, afinal o jogo só está começando e a mamãezinha já está ofegante, cansada e estressada.
A mãe não é indiferente a nada, e, logo se questiona se algo não vai bem: será que fiz algo errado?
Não há dúvida, que amamentar é dar ao bebê amor, carinho e proteção, mesmo por que esse chavão já é bem conhecido e divulgado. Pelo menos entre os profissionais de saúde. Amamentar é tudo isso, quando tudo vai bem, ou seja, quando a díade mãe-bebê se encaixa, e, a vida segue sem maiores problemas.
O caldo entorna, ou, o porco torce o rabo, quando o aleitamento não flui como o esperado, e, o ato de amamentar se torna um inferno astral, corporal e emocional, tanto para a mãe, quanto para o bebê. Afinal uma relação de encaixe só pode ser boa, se for satisfatória (legal) para a dupla. Quando o encaixe não acontece, a culpa pode inundar os pensamentos da mãe, e, o pior de tudo, o bebê fica receptivo as ansiedades da mamãe, e, o relacionamento tende a tornar-se conturbado. Portanto, parece mais humano encarar a amamentação como algo pertencente não só a biologia humana, mas também como algo que é específico de cada mulher, e, como tal, subjetivo à sua própria história de vida.
É preciso entender como essa mulher/mãe vivenciou o processo de amamentação em sua família de origem: foi prazeroso e espontâneo para sua avó, mãe, tias, primas ou a rede social? Esta mulher está inserida em uma rede de apoio a amamentação? Profissionais competentes e abertos estão a sua disposição?
Ás vezes a mamadeira pode ser uma opção saudável e inteligente quando o encaixe “mamatório” não vai bem e todos os métodos falharam. Acredite, por vezes pode falhar – o ser humano não é uma equação matemática.
Alimentar um bebê com mamadeira, de maneira tranquila e serena, com as faces descontraídas e sorriso nos lábios, é preferível quando a dor nas mamas é intensa, o peito sangra e o choro é contido em função do sacrifício de ser mãe, e, de padecer no paraíso.
Amamentar, pode ser encarado como um tango tradicional entre parceiros que nunca se viram, ou, apenas dançaram por uma única vez. Ambos estabelecem uma “milonga” até encontrarem os passos e o ajuste perfeito. É uma adaptação recíproca, que exige tempo, preparo e reparo. Porém, quando os passos se interagem e a entrega acontece, o final é perfeito.
De início há rodopios intensos e dramáticos. Lamber e sugar o mamilo materno parece complicado, difícil.
Como é mesmo que se faz isso?
Eu não me lembro de ter feito isso na barriga da mamãe!
Para alguns bebês, de imediato, é uma forma de sugar a vida e vibrar por ela. Para outros é uma tentativa de restabelecer o prazer vivido dentro do útero. Sem deixar de mencionar, que para certos bebês é tão somente a alegria de estar perto da mãe, sentir seu calor, seu cheiro, e, levitar por instantes dada a emoção de estar nos braços de alguém, que pode abrandar o frio, o medo do desconhecido, e, o desejo de estar com alguém tão conhecido.
Amamentar é como namorar nosso companheiro. No início precisamos estar sozinhos, nos acarinhando, não nos importamos com o tempo – não temos pressa para que termine o beijo. A “pegada” faz toda a diferença.
Com os bebês as coisas são mais ou menos assim. Não importa se o bebê mamou quinze minutos ou mais, não importa se ele adormeceu no peito ou se ele arrotou e dormiu no berçinho. O que importa é a ligação amorosa e afetiva constituída entre mãe e filho.
Enfim, o que estou querendo dizer, é que mãe e bebê, de início, precisam de privacidade, tempo, intimidade, comunicação corporal, abrigo, calor, e, tudo isso e um pouquinho mais, para que o aleitamento se institua e o leite passe a jorrar. A lactância permite a mulher se conectar aos seus aspectos mais naturais e primitivos, e, auxilia a mãe e o bebê a se posicionarem num tempo fora do tempo.
O racional e o intelectual dão vez ao emocional e ao intuitivo, e, a recém mamãe não precisa se defender de nada e nem de ninguém. Precisa apenas estar onde está – disponível para seu bebê.
Dar o peito, dar de mamar, aleitar, amamentar é tudo isso e provavelmente muito mais. Está além!
É deixar emergir os instintos e desejos mais profundos de cuidar da cria – é lambê-lo com todo o carinho e respeito. É estar disponível, como outras mamíferas, a se apegar e cuidar do bebê recém chegado, gritante de fome, de amor, de carinho e de aconchego.
Amamentar é retomar a ecologia da vida – é voltar ao que fomos e estarmos de mãos dadas com a mãe, avó, bisavó e tataravó natureza. É deixar os bebês penetrarem num mundo de sabores, cheiros, texturas, ritmos e cores.
Não nego que algumas mulheres precisam de apoio para superar as dificuldades da amamentação, e, para tanto contamos com profissionais “cobras” no assunto: enfermeiras, fonoaudiólogas, e, outras tantas, que se dedicam a esse assunto com muito carinho e competência, dispostas a minimizar os embates desse processo.
A amamentação é tema para diversas discussões.
É um assunto, que ao mesmo tempo, que é visto como natural, é também polêmico. Tudo isso por que amamentar não é só por o peito para fora e dar para o bebê. É muito, mais muito mais do que isso, é técnica e sentimentos, que estão envolvidos nessa “ligadura” mãe-bebê.
Amamentar pode ser entendido como uma das primeiras formas de diálogo entre duas pessoas tão íntimas e desejosas de se encontrar e vincular. Amamentar é oferecer nutrientes vitais a quem se ama. É estreitar laços amorosos, é compartilhar de proximidade e de afetos – é uma forma da mãe recompensar a si e ao seu filho pelo primeiro “corte” ou separação que o ser humano sofre. O corte do cordão umbilical. A amamentação restitui uma nova forma de conexão, não mais mãe – placenta – cordão umbilical – bebê, e sim, o deleite de se olhar olho no olho, sentir o corpo a corpo e acima de tudo, estabelecer uma ligação pessoa a pessoa.