Todas as crianças brincam da mesma maneira?
Não, pois muitas brincadeiras estão relacionadas ao âmbito social e a identidade sexual.
O indinho não brinca igual a criança da cidade, e, a criança da fazenda não brinca igual a criança da capital. Isso é tão real que um certo dia recebi em meu consultório uma criança que não fazia ideia o que era um pé de jabuticaba. Ela achava que as bolinhas negras nasciam no chão tal e qual os morangos silvestres.
As meninas gostam de brincar de boneca, casinha, escolinha, bailarina, cantora – são brincadeiras que respondem ao que a sociedade espera de uma mulher. Contudo, os meninos se sentem atraídos por bolas, carrinhos, jogos que exijam força e adoram se vestir de super heróis. Desde criança, os meninos valorizam a potência como ensaio para a vida adulta.
E menino pode brincar de boneca? As crianças desde cedo são muito espertas e perspicazes e logo aprendem o que os pais e a sociedade esperam dela – seu desejo é corresponder a essas expectativas. Portanto, os meninos tendem a direcionar sua atenção para brincadeiras mais duras e as meninas para as brincadeiras mais delicadas.
Quando um menino brinca de boneca ou uma menina gosta de carrinhos ou de jogar bola, não significa que eles tenham algum problema com sua sexualidade. Eles apenas estão mostrando que o brincar é desprovido de regras e de exigências sociais.
Contudo, quando um menino insiste em brincar de boneca, arrumá-la, colocar roupinhas bonitas, pode estar querendo sinalizar que sua mãe é pouco feminina ou cuidadosa com sua aparência. É uma forma que a criança encontra de chamar a atenção para um problema que não é dele.
Existem crianças que vivem interrompendo suas brincadeiras. Não conseguem se fixar por algum tempo em uma atividade. Existem outras que só gostam de brincar sozinhas, e, sempre das mesmas coisas (horas rodando um mesmo objeto). Há crianças que não brincam. Nestes casos a forma de brincar pode estar indicando alguma desordem psíquica.
O brincar também tem tudo a ver com a amizade. A amizade seria o tipo mais importante de criatividade. É na amizade que as crianças aprendem um tipo sofisticado de estar só sem estar na solidão. Aprendem a criarem brincadeiras divertidas, a fantasiarem atividades do cotidiano e depois num momento posterior, se despedem e cada um vai continuar sua brincadeira em seu próprio espaço criativo. É um estar só, porém aprendido anteriormente na experiência com o outro.
Portanto, eu costumo dizer que, para a criança, brincar é trabalho sério e nele as habilidades e competências vão surgindo, sendo lapidadas. No futuro farão parte de uma recordação gostosa e contada em verso e prosa por quem brincou!