Certa vez, ouvi de um paciente, que ele estava cansado de ser rodeado de pessoas hostis, controladoras, manipuladoras, que adoravam apontar o dedo para ele, desagradáveis, que ficavam tomando conta de seu apetite, de sua ingestão de bebidas, do quanto gastava, de onde ia, do que fazia e com quem andava.
Que todas essas pessoas eram “um saco”!
Eram pessoas categorizadas, segundo ele, como tomadoras da conta da vida alheia, no caso, da vida dele. Se ele fizesse uma determinada coisa que tais pessoas não gostavam ou se sentiam ofendidas, elas rapidamente diziam que ele queria acabar com a individualidade e com a vida delas. No fundo ele as achava muito engraçadas e até mesmo antagônicas. Culpavam-no de tudo, mas estavam lá, sempre para salvá-lo das coisas inapropriadas que ele fazia ou realizava!
Ele achava que essas pessoas co-dependiam do seu comportamento. Sentia que ele era incompreendido, porém, não os compreendia também. Acho que esse paciente não compreendia até a si próprio.
Certa vez, ele foi chamado para ajudar numa atividade de grupo, numa empresa onde ele trabalhava. Era uma pessoa competente, mas essa atividade parecia tê-lo deixado fora do prumo. Como ele era um profissional ativo na área social e de saúde mental, foi chamado para coordenar um grupo de esposas de alcoolistas. De imediato, referiu que essas mulheres deveriam ser como chicletes, que pegavam no pé de seus companheiros, a semelhança do que ele mesmo experienciava em casa, e, que essa atividade seria um “porre”.
Acabei de dar uma pista!
Estou falando de um paciente viciado em destilados.
Debochava do grupo, pois sentia que aquelas mulheres não passavam de “seres” controladores, que se julgavam responsáveis pelo mundo e irresponsáveis em mudar suas próprias vidas. Eram mulheres que se doavam o tempo inteiro a salvar seus parceiros do álcool, mas em nenhum momento pensavam em se salvar, em viver suas próprias vidas. Achava que as mulheres de seu grupo haviam perdido a capacidade de se auto avaliarem, de saberem quem elas eram realmente.
Ele dizia que havia demorado muito tempo para entender quem eram aquelas mulheres. Por que elas ficavam numa relação tóxica, desesperadora, infeliz e sem saída. Pior de tudo, ele via sua mulher, no rosto de cada mulher do grupo e isso o assustava.
Passou, com o tempo, a achar aquele grupo muito interessante e rico. Foi quando sua percepção aumentou, que ele entendeu, que essas mulheres “sem saída”, na verdade, tinham um nome e sobrenome. Eram as “co-dependentes” de homens viciados. De homens como ele.
Disse-me ainda, que não sabia como ajuda-las, pois, ninguém em seu trabalho sabia de seu vicio, mesmo por que, ele só bebia de finais de semana (sexta, sábado, domingo) e até cair. Se ele não podia ajudar a si mesmo, como poderia ajudar outrem?
Virava e mexia ele dizia que aquelas mulheres eram loucas. Loucas em ficar com os maridos viciados, pior, mais loucas, que os loucos que bebiam, e, loucas por deixarem seus maridos viciados mais loucos controlando e escondendo bebida como se fossem generais.
Meu paciente conseguiu enxergar o quanto era difícil para as “co-dependentes” buscar ajuda. Na cabeça dele oferecer assistência a um viciado parecia complicado, mas era mais difícil ainda convencer as co-dependentes, pois, ao olhar delas e das pessoas que as circundavam, elas eram “normais”.
O que estou querendo trazer com esse texto, é que os co-dependentes (e digo os co-dependentes, por que é um problema democrático, que atinge homens ou mulheres) sofrem na carona da pessoa doente. Se eles se recuperam, conseguem isso de carona também. Os serviços de saúde não os consideram, raramente os convidam para serem ouvidos e tratados. Raramente sua dor tem som e forma.
São pessoas que não bebem, não usam drogas, não jogam, não comem demais, não sofrem de compulsões, mas mesmo assim, precisam ser vistos e ajudados.
Voce conhece alguém assim?