A infância na atualidade deve ser vista com muito carinho, pois, oscilamos entre o excesso de atividades, o mundo digital e muito pouca brincadeira e movimentação corporal!
Pensar sobre a infância me remete a vários aspectos sobre o “ser criança na nos dias de hoje”.
Infância vem de Em-fant que significa aquele que não fala e esse significado está muito perto de nós quando o assunto é a construção da infância na nossa sociedade.
A criança como aquela que ainda não tem a capacidade de ser, estar e atuar por ainda ser criança – ela, criança, é vista tão somente como um Ser a ser moldado pelo adulto ou como um indivíduo imaturo que pouco conhece sobre a vida.
Não vou me ater com precisão sobre a evolução da criança / infância ao longo do tempo, mas, na era medieval a criança quando passava a agir sem grandes solicitudes da figura materna, já estava apta para ingressar no mundo adulto. Na idade média, a criança tinha um significado angelical, inocente, indefesa, divertida que merecia ser “paparicada pelos adultos”. E assim, vários constructos sobre infância foram emergindo dentro das sociedades.
Com o desenvolvimento industrial, político, econômico e social, a estrutura familiar foi se modificando e consequentemente a vida das crianças.
Surge a necessidade de escolarizar a criança e prepara-la para o mundo industrial devido as rápidas mudanças no período pós-revolução industrial.
Na atualidade, temos leis que visam proteger a infância e são amparadas pelo Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 9.069/13-07-1990), onde é possível reconhecer a criança como um ser de direito e com necessidades de “Vir a ser” no futuro – um sujeito.
Se é assim, será que realmente estamos protegendo nossas crianças e amparando-as em suas necessidades humanas básicas (amor, proteção, saúde, moradia, alimentação, educação, etc.), ou o “ser” é coisa de futuro?
Tenho lido algumas pesquisas que demonstram que, na atualidade, a criança é vista como um “Ainda não” – ela se tornará um sujeito, realmente, no futuro – a criança ainda é vista como uma extensão dos pais, sem muitas escolhas, pois, ainda é “De menor”.
Se as coisas acontecem dessa maneira, o investimento principal dos pais não é na infância e sim no preparo dessa criança para seu desempenho futuro na sociedade. O brincar, o ócio criativo, a fantasia, o livre pensar infantil, o contato e o desfrute da natureza devem passar rápido para que a criança comece a ser precocemente preparada para ser o adulto de amanhã.
Isso sem falar das crianças que nunca tiveram ou nunca terão uma infância, pois, são inseridas no mercado de trabalho para colaborarem com o sustento da família.
Como terapeuta familiar recebo famílias, cuja principal queixa é o mau comportamento infantil: bater, morder, empurrar, gritar, beliscar, não fazer lição de casa. Não amigos, não estamos falando de crianças de 8 ou 10 anos de idade. Estou me referindo a crianças de 3 a menos de 4 anos. Quem será o responsável pela falta de educação dessas crianças?
A família? A escola?
Tive a oportunidade de ler a agenda escolar de uma criança de 3,5 anos: manhã atividade regulamentar: a maior parte das atividades do período eram realizadas dentro da sala de aula , sem muito tempo para o livre brincar e o criar. Ser simplesmente criança.
A tarde as agendas variavam ao longo da semana: aulas de: música, inglês, esportes, culinária, artes, relaxamento, robótica, mine kumon, etc. E nos sábados ainda poderiam fazer um curso de mine celebridade: youtuber, instagram, facebook.
Com tantas atividades e com uma verdadeira agenda de um CEO que momento estas crianças podem ser crianças?
E os pais, onde entram nesse viés?
Muitos pais estão delegando os dispositivos eletrônicos aos seus filhos para obterem um pouco de tranquilidade e outros, concordam com a agenda dos rebentos, pois, é de pequeno que se prepara o “Sujeito de Sucesso” de amanhã.
Aquele filho que será admitido nas melhores universidades, que será inserido nos melhores mercados de trabalho e que será exibido como um troféu para a sociedade. O famoso “Feito por Mim”!
E ai, eu pergunto: entre a infância e o sucesso do adulto vai existir uma fenda. Quem vai preenche-la? Quem vai preencher o vazio emocional dessa criança que não teve a oportunidade de ser criança?
As crianças do mundo contemporâneo são mestres em tecnologia e insipientes em socialização: elas trocam as brincadeiras infantis pelas telinhas dos dispositivos eletrônicos.
Mas quem dá esses aparelhinhos?
Será que não podemos encontrar um meio termo? Será que não podemos acertar o tempero entre o “desejo de sucesso” e a interação mediada pelo afeto, pela palavra e pelo olho no olho?
Eu, como terapeuta, quando recebo a família com queixa de comportamento do filho a primeira prescrição que eu faço é: “desacelere a agenda dos pequenos, olhe nos olhos de seu filho e encontre tempo para educa-los”.